quarta-feira, 31 de março de 2010

Eu-te-amo

Tudo está no lance: é uma “fórmula”, mas essa fórmula não corresponde a nenhum ritual;
as situações em que digo eu-te-amo não podem ser classificadas: eu-te-amo é irreprimível e imprevisível.
A que ordem linguística pertence pois esse ser bizarro, esse arremedo de linguagem, por demais fraseado para resultar da pulsão, por demais gritado para resultar da frase? Não é nem totalmente um enunciado (nenhuma mensagem aí está congelada, armazenada, mumificada, pronta para a dissecção), nem totalmente enunciação (o sujeito não se deixa intimidar pelo jogo dos lugares interlocutórios). Poderíamos denominá-lo proferição. Para a proferição, nenhum lugar científico: eu-te-amo não pertence nem a linguistica nem à semiologia. Sua instância (aquilo a partir de que podemos falá-lo) seria antes a Música. A semelhança do que acontece com o canto, na proferição do eu-te-amo, o desejo não é nem recalcado (como o enunciado), nem reconhecido (justamente onde não se esperava: como na enunciação), mas simplesmente: gozado.
O gozo não se diz; mas ele fala e diz: eu-te-amo.


[BARTHES, Roland. Eu-te-amo. In: Fragmentos de um discurso amoroso. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 176]

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