terça-feira, 25 de novembro de 2008

O Forte Apache


O tapete de plástico vermelho com estampas indefinidas, preso ao piso de madeira por percevejos, era o rio. O famoso Rio Vermelho. Sugestão dele, admirador assíduo de minhas histórias.
De um lado deste suposto rio ficava o imponente Forte Apache. Todo ele de madeira, com suas quatro, uma em cada canto, belas e definidas torres a vigiar a fortaleza federalista. Dentro deste forte haviam, além das diligências - geralmente eram duas, com quatro cavalos em cada -, os soldados, todos eles pintados à mão, com seus devidos uniformes azuis, condecorados com medalhas pelos diversos serviços prestados à pátria americana.
Do outro lado do rio, já avançando sob as pernas das cadeiras e da mesa, havia o acampamento dos "terríveis e sangüinários" Peles Vermelhas. Detentores de uma pontaria perfeita, esses índios eram certeiros na arte do arco e flecha. Levavam medo aos homens brancos do forte ao se aproximarem da beira do rio com seus cavalos malhados. Assim como os soldados, os índios também eram pintados à mão. A exceção eram seus cavalos, pois geralmente eram de uma cor só, isto é, ou todo branco ou todo preto. O detalhe "malhado" ficava ao meu encargo que, através de tinta têmpera, fornecia um toque especial a eles.
Recordo-me que sempre o vencedor dessas batalhas eram os "bons soldados brancos", verdadeiros heróis da nação americana (qualquer semelhança com os dias atuais não é uma mera coincidência), cabendo aos índios o papel de bárbaros e incivilizados.
Até que um dia, após terem me roubado meu tão amado brinquedo, passei a ter uma outra visão sobre minhas "batalhas" às margens do Rio Vermelho. Ao ganhar outro de presente dele - um, dentre tantos outros -, ficava numa alegria contagiante e que parecia não ter mais fim. Explicou-me que os Peles Vermelhas não eram tão hostis e assassinos assim. E que, por outro lado, os federalistas não eram seres tão bons e amigos como contavam as histórias de TV (Rintintin, principalmente) e de gibis.
A partir daquele dia comecei a olhar diferente para as minhas batalhas. Agora, não eram mais os soldados os vencedores. Eram os índios, defensores de sua terra e de sua cultura, os verdadeiros heróis e merecedores da vitória.
Foi, sem sombra de dúvida, meu primeiro sentimento de justiça internalizado.
Hoje os fortes apaches são feitos de plástico, e já não chamam mais tanta atenção da gurizada como antigamente. Os soldados e os índios, apesar de serem pintados à mão como antes, não possuem a perfeição de detalhes dos antigos. O Rio Vermelho já não existe mais. E ele, bem... Ele já não me compra mais forte apaches.

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